
“Nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos.“
Essa frase me acompanha há muitas décadas, ela reflete com simplicidade que tudo o que vemos está filtrado pelo que somos e como estamos. Frase maravilhosa! A frase é de autoria anônima sendo que é, muitas vezes, atribuída a alguém diferente. A frase é de todos nós!
Cada vez que defendemos uma ideia, um ponto de vista ou uma opinião estamos, necessariamente, nos referindo a uma visão individual que temos e ela é única. Ninguém vê o que vemos e nós não vemos o que os outros veem. Temos a ilusão de que estamos vendo a mesma coisa e isso pode gerar ruídos em todos os sentidos. Quando, por exemplo, mencionamos a palavra “árvore” temos a ilusão de que todos entendem o que estamos dizendo e quem escuta, também, tem a ilusão de que está entendendo o que foi dito. Na verdade, cada um de nós tem uma representação diferente para a palavra dependendo do contexto em que ela é dita. Tem uma linda árvore no caminho para o trabalho. É preciso que cada um plante uma árvore. A tempestade foi tão forte que uma árvore bloqueou a rua. Incrível pensar que essa semente se transformará numa árvore. Para cada árvore cortada basta plantar outra. Cada um de nós imaginou diferentes árvores e fez sinapses, também, diferentes com a mensagem de cada frase, sejam elas mais do inconsciente ou conscientes. A ultima frase (Para cada árvore cortada basta plantar outra), por exemplo, me faz o sangue subir. Vejo uma frondosa e magnífica árvore sendo covardemente derrubada enquanto a ignorância sobre o tempo e as condições que levariam uma frágil árvore magrinha, mal saída das fraldas (muda) chegar aos pés (raízes) dessa que foi assassinada. A minha visão de árvore de uma simples palavra numa frase é única e provavelmente causaria espanto pela minha loucura. Por isso… que ninguém nos ouça!
Sendo as frases compostas de diversas palavras que são lidas e entendidas de modo individual, as chances dos substantivos, adjetivos e verbos conseguirem transmitir a intencionalidade original do autor é relativamente pequena. Ao mesmo tempo temos um fluxo incessante de comunicação que nos faz usar artifícios reducionistas para minimamente convivermos. Por isso precisamos tanto dos poetas. Eles conseguem driblar nosso entendimento automático e nos fazem refletir com os sentidos. Uma árvore vinda de um poeta, em geral, é um presente para a imaginação e os sentidos.
“We do not see things as they are, we see them as we are.”
Esse texto que estou escrevendo hoje carrega o que sou e como estou no aqui e agora. Se fosse escrito ontem ou amanhã seria diferente. Se quem o estiver lendo o fizer hoje, terá um entendimento diferente do que se o ler daqui alguns dias, meses ou anos.
Ativismo Delicado
Estive num encontro presencial com Allan Kaplan e Sue Davidoff promovido pela Schumacher Brasil. Allan sempre buscou uma forma de ativismo baseada na reflexão e o olhar antes da ação. Ele chama de Ativismo Delicado. O termo “delicado” vem da fenomenologia de Goethe que usou o chamado empirismo delicado para se referir a delicada relação entre o mundo externo e interno.
Allan e Sue nos convidaram a ir um parque ao lado e entrar em contato com uma folha que escolhêssemos. Durante alguns minutos a intenção era nos conectarmos com o ir e vir dessa folha ao mundo. De um minúsculo e invisível tamanho até sua forma atual. Muitos avançaram, também, até a degradação da folha. Uma atividade tão simples e singela se desdobrou num entendimento experiencial, ou pelo menos uma degustação, do que é o Ativismo Delicado.
Voltando a frase do início desse texto (Nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos.), estamos seguros de que sabemos o que é o certo e o errado. Acreditamos que o que fazemos vai na direção de implementar o certo e combater o errado. Somos nós contra eles! O Bem contra o Mal. Pois é, dessa maneira vamos nos tornando cada vez mais fundamentalistas e gerando resultados opostos ao que originalmente pregávamos. Há um tempo necessário para reflexão e acolher todos os lados e somente depois disso buscar as ações para as mudanças desejadas. Isso é o Ativismo Delicado do Allan Kaplan e da Sue Davidoff do The Proteus Initiative. Vou colocar alguns trechos do livro e recomendo fortemente a leitura do livro todo (apenas 30 páginas) em inglês ou em português (traduzido pela Ana Paula Giorgi).
“Aparentemente, um ativismo que enfatiza a ação em detrimento da reflexão; que recompensa os efeitos externos e ignora a consciência interna; que foca no outro, mas obstrui o eu; que exalta resultados (quase como se fossem commodities) sem suficiente preocupação pelo processo que os geram, é um ativismo que não parece ter sido capaz de acompanhar as atuais complexidades das mudanças sociais. Ironicamente, esse tipo de ativismo tem nos colocado no lugar de espectadores ao invés de participantes e tem, na realidade, retardado as mudanças. O ativismo delicado é verdadeiramente radical por ser consciente de si próprio, e por compreender que seu modo de enxergar é a mudança que se quer ver. Ele anuncia uma alteração sísmica da qual surge uma forma mais social e ecológica de ativismo direcionado para um futuro que sustenta a vida.”
“Somos seres intencionais e devemos ser disciplinados para ter essa intenção de abertura e receptividade, do contrário vamos acabar nos impondo e deixando a presunção tomar conta, ou nos fecharemos; daremos lugar ao tédio, ao conservadorismo, ao fundamentalismo, à preguiça. Um ativismo delicado, seja lá o que ele fizer, tenciona a abertura e receptividade, tanto quanto seu desejo por mudança. Ele busca mudar o mundo estando aberto à possibilidade de ser mudado pelo mundo.”
“No ativismo, a estridência, a convicção de se estar certo acompanhada pela determinação de mudar o que está errado são tão comuns, que a determinação, ao ficar estridente, pode passar a mimetizar as mesmas forças que estávamos querendo mudar. A psicologia da Gestalt chama isso de “Teoria da Mudança Paradoxal”: quanto mais se tenta mudar um comportamento, mais ele permanece o mesmo. Rudolf Steiner apontou para a existência de uma “lei de necessidade férrea” na esfera social, observando que se os ativistas, ao lutarem pelo “bem”, não se mantiverem intencionalmente acordados, quase sempre acabarão por fortalecer os padrões e comportamentos que eles se comprometeram a mudar porque são pegos – às vezes através de seu sucesso inicial – por uma virada quase imperceptível da situação social que os deposita no lado errado da maré . Owen Barfield sinaliza o perigo da busca por respostas estruturais para mudanças em questões sociais e ecológicas e pede que mantenhamos uma qualidade de nervosismo em nossas iniciativas sociais, para que permaneçamos conscientes o tempo todo, tentativos e atentos às nuances. “
“Ativistas são geralmente pessoas convencidas (de suas próprias noções do que é o bem social). Ao menos sabemos o que é errado, e temos uma boa ideia do que é certo. Nós sabemos contra o quê estamos trabalhando e temos opiniões fortes a respeito de para quê estamos trabalhando. Somos comprometidos, apaixonados, veementes, cheios de propósitos e de visão. Temos que ser determinados e essa determinação pode (e em geral é o que acontece), estreitar nossa visão e nos cegar para as possíveis falhas e limitações de nossa própria compreensão. Podemos ser tão determinados para atingir nossas metas, que não percebemos que as coisas estão mudando ao nosso redor o tempo todo, mudando às vezes até em função do sucesso de nosso trabalho, e na medida em que elas mudam, novas leituras devem ser feitas, novos sentidos devem ser atribuídos.”
“Mas quais são as alternativas? Devemos aquiescer, relegando nossa convicção e nosso ultraje e nossa humanidade aceitando um mundo insustentável e injusto, e simplesmente, sucumbindo? Não, essa não é a resposta de maneira alguma, porque isso acaba sendo simplesmente a defesa de uma postura não-ativista, isso não nos leva ao cerne do desafio ativista. Não nos leva ao outro lado do ativismo e assim deixa o campo aberto para aqueles que vêem as questões sociais e ambientais como problemas mecânicos a serem consertados, e não como momentos desafiadores na evolução de nossa humanidade. Como ativistas, não podemos evitar a ironia do ônus desse conservadorismo e desse instrumentalismo; ele é a chave para a evolução do ativismo em si, assim como para a essência do ideal humano. Porque o ativismo está no cerne de nossa humanidade: nossa luta por um futuro melhor é a essência de nossa humanidade.”
GPT-4
Volto ao assunto da Inteligência Artificial por causa da enorme repercussão nas mídias em geral. Nos últimos quatro meses o ChatGPT da OpenAI tem gerado uma ampla discussão quanto aos aspectos positivos e negativos da inteligência artificial na nossa humanidade. As mídias nada falaram em dezembro de 2022, em janeiro de 2023 começaram a falar aqui e ali (publiquei no meu texto de 1º de Fevereiro), em fevereiro foi para o grande público e em março todo mundo só fala disso, principalmente pelo lançamento do GPT-4 e da carta criada pela Future of Life Institute e assinada por mais de 50.000 pessoas entre elas Yuval Harari, Steve Wozniac, Tristan Harris, Yoshua Bengio, Emad Mostaque, Andrew Yang, Evan Sharp e Elon Musk (um dos fundadores iniciais da Open AI). A carta tem um propósito simbólico de frear, por pelo menos seis meses, os avanços dos “gigantes” em Inteligência Artificial.
Exageros e medos a parte, essa febre está nos levando a repensar o impacto da IA em absolutamente tudo que fazemos. Não se trata de ser contra ou a favor e sim de entender o que realmente é e como funciona. As novas variantes de IA podem gerar texto suficiente para escrever um livro, codificar em todas as linguagens de computador e, inacreditavelmente, “entender” imagens. Quem não está, ao mesmo tempo, confuso e curioso com o potencial de tudo isso, não está prestando atenção. Estamos galgando mais um degrau desde o inicio de nossa caminhada com a ideia da Máquina de Turing (Alan Turing) de 1936. A questão fundamental é quanto a linguagem. A linguagem consegue nos fazer acreditar que a inteligência é muito maior do que realmente é. Por isso na interação com algum aplicativo empoderado com a IA é fundamental saber interagir. Vamos assistir a uma nova linha de aprendizagem e capacitação de melhor aproveitamento da ferramenta através de uma interação que obtém os resultados desejados. Gosto muito das observações e ponderações do Yuval Harari sobre a Inteligência Artificial. Seguem alguns links de textos que li nesse mês de março:
O alerta de Yuval Harari: aprenda a dominar a IA (antes que ela nos domine)
Em inglês:
Pause Giant AI Experiments: An Open Letter
Our New Promethean Moment – THOMAS L. FRIEDMAN
The Open Letter to Stop ‘Dangerous’ AI Race Is a Huge Mess
GPT-4 has brought a storm of hype and fright – is it marketing froth, or is this a revolution?
Reuters Impact: Marina Silva
25 mulheres pioneiras liderando a luta contra as mudanças climáticas
Marina Silva é mais uma vez reconhecida como uma voz mundial na luta contra as mudanças climáticas. Ela é reconhecidíssima, lá fora, pelo seu intenso e constante trabalho a favor do meio ambiente e da sustentabilidade. O Brasil tem a sorte e a honra de contar com ela no governo, nesse momento tão crítico para o país e o mundo.
Reuters: “Com tantas mulheres extraordinárias engajadas na batalha contra as mudanças climáticas, a maior tarefa ao compilar a lista de mulheres pioneiras da Reuters Impact para o Dia Internacional da Mulher foi reduzir nossa longa lista para apenas 25.”
John Milton no Brasil
John P. Milton estará novamente no Brasil. Conduzirá um Nature Quest na Chapada dos Veadeiros e fará o lançamento do seu livro “Sky above, Earth below” em português.
John Milton é um desses seres muito especiais que contribuíram e continuam a contribuir para o meio ambiente e a nossa relação com a Natureza. Foi ele que cunhou a palavra “environment” que até hoje move todo o movimento ambiental. Foi pioneiro para a civilização ocidental de uma forma única e vital de cultivo espiritual na Natureza que amadurece em uma profunda experiência ecológica de Comunhão com todas as espécies e com a própria Mãe Terra.
Há alguns anos tive a honra de participar de um encontro dele com a Marina Silva, foi um encontro inesquecível onde tive dificuldade de ficar na função de traduzir porque me emocionava muitas vezes ouvindo a história de vida desses dois.
IPCC relatório AR6
Importante resultado do relatório publicado agora na segunda quinzena de março de 2023
Ana Carolina Amaral e a Jéssica Maes publicaram um texto maravilhoso que retrata muito bem os impactos do relatório. “Dá tempo de frear crise climática e tecnologia já existe, diz painel do clima da ONU”.
Segue um trecho inicial:
“O mundo vive sob uma pressão climática sem precedentes, com alguns danos irreversíveis e um prazo ainda mais curto para agir. Por outro lado, a ação imediata ainda dá chances de conter os efeitos mais severos da crise e as soluções tecnológicas estão mais baratas e acessíveis.
Este é o principal recado que o painel científico do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês) dá aos governos nesta segunda-feira (20), no relatório-síntese do seu sexto ciclo de avaliação.
As recomendações do painel devem guiar as políticas públicas e as negociações diplomáticas até o final da década, quando os cientistas devem voltar a aprovar novos relatórios. O período é crucial para mudar a trajetória das emissões de gases-estufa, que devem ser cortadas em pelo menos 48% até 2030 para que o mundo contenha o aquecimento global em até 1,5ºC.
A boa notícia do relatório —que adota um tom encorajador no seu sumário-executivo— é que o mundo tem recursos e tecnologias suficientes para reduzir as emissões e mudar o sistema socioeconômico.”
Muito bom também o texto do Climainfo “IPCC AR6 RELATÓRIO DE SÍNTESE”
Putin recebe mandado de prisão
O Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia emitiu um mandado de prisão para Vladimir Putin por supervisionar o sequestro de crianças ucranianas, dando à Rússia outro passo significativo no caminho para se tornar um estado pária. Ao mesmo tempo hoje (sábado) a Rússia assume a presidência do Conselho de Segurança da ONU. Oi??? Absurdo! Surreal! Mais um demérito para a ONU, será que ela sobrevive a mais esse escândalo? Gostaria muito que tivéssemos o Sergio Vieira de Mello no comando da ONU.
402 dias da invasão da Rússia na Ucrania!!!!
Trump é indiciado
Donald Trump recebe com surpresa e apreensão o indiciamento pela acusação de pagamentos a estrela pornô Stormy Daniels que até cancelou os eventos de fim de semana no resort Mar-a-Lago em Palm Beach, Flórida. Trump, informou o New York Post, que está se reunindo com conselheiros que ficaram “abalados” com a notícia de dezenas de acusações criminais relacionadas a um pagamento de US$ 130.000 (R$ 660.000) feito a Daniels, cujo nome legal é Stephanie Gregory Clifford. Parece pouca coisa diante de tantas acusações no passado em que se saiu “bem”, mas dessa vez pode abrir um precedente difícil de conter. Vamos ver os desdobramentos desse caso
Ditadura Militar
A data de 1º de Abril de 1964 foi camuflada na História porque parecia ridículo a chamada “revolução” ser homenageada todo ano no dia da mentira. Pois é dizem que a mentira tem pernas curtas… será? Até hoje tem gente acreditando nessa mentira que o dia 31 de março foi a data do golpe militar. No ano vem serão 60 anos. Essa história deveria ser mais bem contada. Hoje em dia centenas de pesquisas e estudos revelaram uma história bem mais próxima do que realmente ocorreu. Essa história ainda está nos bastidores da História. Espero que ela emerja mais tranquilamente para que possamos ficar menos polarizados diante do que aconteceu.
Quebra dos Bancos
Será que estamos diante de uma nova crise mundial como a de 2008? Será que estamos no prenuncio de uma nova crise como estivemos em 2007? O que significa esse maremoto que está passando. Estamos assistindo uma queda de braço entre as instituições de proteção financeira e a credibilidade dos bancos. Ironicamente o Silicon Valley Bank quebrou no mesmo dia em que abriu o SXSW evento máximo do Vale do Silício e intrinsicamente ligado ao banco. Será um sinal ou ruído? Sinal de que o atual sistema financeiro está colapsando ou um ruído onde o que ocorreu foi localizado e não tem efeitos no sistema. O que pensar?
Saiu um ótimo artigo (30/03) na The Economist para quem conseguir acessar. “America risks propping up zombie banks”
Segue um trechinho:
A calma prevalece por causa do apoio generoso e indiscriminado aos bancos. Em 22 de março, o Federal Reserve havia emprestado US$ 164 bilhões por meio de facilidades que emitem empréstimos de valor superior aos títulos depositados como garantia. De acordo com o Barclays, os Federal Home Loan Banks, credores com um respaldo implícito do governo, podem ter adiantado US$ 300 bilhões aos bancos em uma única semana.
Artigo de Ronaldo Lemos: “Banco do Vale do Silício ruiu em 48 horas”
Anistia a irregularidade eleitorais
A Câmara dos Deputados vergonhosamente assinou uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que estabelece a maior anistia da história a irregularidades eleitorais cometidas por partidos políticos. A PEC 9/2023 foi assinada por 184 deputados, incluindo os líderes do governo, José Guimarães e da oposição, Carlos Jordy, o texto proíbe qualquer punição a ilegalidades cometidas até a promulgação da PEC (incluindo o desrespeito ao repasse mínimo de verbas a mulheres e negros nas eleições), além de permitir a volta do financiamento empresarial para quitação de dívidas anteriores a 2015. Os partidos fingem que prestam contas e a Justiça Eleitoral finge que monitora. Simples assim!
“Nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos.“
Deixe uma Resposta