
Esse texto faz parte do livro que estou escrevendo. Em cada primeiro dia do mês escrevo uma carta, no próprio dia, que será publicada no capítulo de uma retrospectiva do período em que estou escrevendo esse livro. Segue a carta relativa ao mês de abril de 2021:
Bom dia, primeiro de maio!
Bom dia, incertezas!
Na França é o dia de se desejar alegria e boa sorte presenteando a família e os amigos com a flor Muguet (lírio do vale). Dizem que a tradição remonta aos Celtas e os Romanos. Acredito que todos nós estamos precisando de alegrias e de boa sorte! Allez Bonheur!
As incertezas são tantas que seria mais prático a gente se render (com bandeirinha branca e tudo) e ficar confortavelmente sabendo que não sabemos nada. O que muda? Qual seria o problema? Estaríamos mais perto ou mais distantes da nossa verdade? Estamos assistindo a um desfile de certezas incertas. Quando alguém diz que está seguindo a ciência, o que isso quer dizer? Os cientistas pesquisam e chegam a conclusões diferentes, muitas vezes opostas. Então qual ciência seguir? São tantas! Quando alguém diz que está sendo guiado pela religião, o que isso quer dizer? São tantas as incertezas entre cientistas, médicos, religiosos, economistas, biólogos, ambientalistas, agricultores, jornalistas, professores, políticos, terapeutas… a lista não termina. Por que então, acreditamos que há alguma certeza, além de vamos morrer? O meu bom dia para as incertezas de hoje foi inspirado num texto que o Edgar Morin, publicou (Gallimard) há um ano em 21 de abril de 2020. Sim esse Edgar Morin que vai fazer 100 anos daqui dois meses. Cada parágrafo do seu texto merece uma parada para reflexão. O texto se chama – Um Festival de Incerteza – e começa assim:
“Todas as futurologias do século XX que previam o futuro com base nas correntes que atravessavam o presente fracassaram. Contudo, continuamos a prever 2025 e 2050 mesmo que sejamos incapazes de compreender 2020. A experiência das irrupções do inesperado na história não penetrou nas consciências. A chegada do imprevisível era previsível, mas não sua natureza. Daí minha máxima permanente: “espere pelo inesperado”.”
Em outro trecho – e paro por aqui – ele fala do que esperar do pós pandemia. Lembrem-se foi publicado em abril de 2020!
“Os desconfinados retomarão o ciclo cronometrado, acelerado, egoísta, consumista? Ou haverá um novo renascimento da vida convivial e amorosa rumo a uma civilização na qual se desenvolve a poesia da vida, onde o “eu” floresce em um “nós”?
Não podemos saber se após o confinamento novos caminhos e ideias vão desabrochar, ou mesmo revolucionar a política e a economia, ou se a ordem abalada se restabelecerá. Podemos temer fortemente a regressão generalizada observada já durante o curso dos vinte primeiros anos deste século (crise da democracia, corrupção e demagogia triunfantes, regimes neo-autoritários, retomadas nacionalistas, xenófobas, racistas).”
Será que a gente toparia ficar numa postura de simplesmente seguir o fluxo da vida, acreditar nas sincronicidades da vida? Simplesmente buscar, dentro da gente, o sentido de existir… de viver a vida!
Há cinco meses escrevi seis questões que emergiram na pandemia para exercitarmos ficarmos diante da nossa verdade, do que acreditamosem cada uma delas. Os cientistas e médicos tinham posições opostas a essas questões. Vejam ou revejam qual a sua verdade hoje. Elas refletiam o conflito de certezas em novembro de 2020. Acrescentei duas.
Verdade 1 – A transmissão do vírus veio pelo pangolim ou foi produzido em laboratório?
Verdade 2 – Cloroquina funciona ou faz mal?
Verdade 3 – As máscaras para o cidadão saudável são úteis ou inúteis?
Verdade 4 – As vacinas, no Brasil, virão no próximo mês ou no segundo semestre de 2021?
Aqui havia uma polarização quanto ao tempo que levaria para a maior parte dos brasileiros serem vacinados e voltarmos a uma vida “normal”.
Verdade 5 – As escolas devem abrir ou fechar?
Verdade 6 – Os números de casos e óbitos divulgados estão corretos ou incorretos?
Verdade 7 – As vacinas são confiáveis ou não são?
Verdade 8 –Quem já contraiu o COVD19 tem chance de pegar novamente ou são casos raros?
Esse exercício é apenas para a gente olhar para nossas certezas e incertezas. De verdade, não importa qual a resposta. O importante é perceber se onde você tem certeza existe espaço para ouvir uma outra certeza diferente e considerar genuinamente a possibilidade de mudar de ideia. Não é simples! Quando aparecem evidências de que o que você acredita não é verdade, ocorre uma dissonância cognitiva. Somos programados a não ficar confortável com essa dissonância e a partir daí criamos histórias (narrativas) para amenizar ou mesmo eliminar essa dissonância. Somos bons nisso! Como acreditamos nessas histórias que criamos não conseguimos entrar em contato com a beleza e possibilidades das incertezas. Ressignificar é uma oportunidade maravilhosa de seguir o fluxo de uma vida que está a nossa espera e… viver a vida!
“A gente precisa se dispor a abrir mão da vida que planejamos a fim de encontrar a vida que espera por nós.” Joseph Campbell
Para dificultar mais ainda nossa relação com essas certezas e incertezas, existe uma manipulação proposital para que passemos a pensar dessa ou daquela maneira, para que façamos dessa ou daquela forma que nos induzem. Entre todas as tragédias que estamos vivendo a DESINFORMAÇÃO é a pior delas! Se fosse falta de informação não seria tão grave… desinformação e a manipulação das informações são o que há de mais desumano! E isso em nome do poder e da ganância. Não sei como a história vai registrar esse período, não sei se haverá centenas (talvez milhares) de condenados por crimes contra humanidade. Não sei como milhares de pessoas conseguirão apagar os rastros de suas manifestações que contribuíram para esse desastre mundial, para que seus netos não se envergonhem de tamanha falta de noção herdadas em seu DNA. Não sei como ficarão as pessoas que não contribuíram diretamente para ajudar, de alguma maneira, a humanidade e ficaram apenas reclamando da culpa dos outros. Seja pela busca de benefício próprio, corrupção ou apenas banalidade do mal (conceito Hannah Arendt).
Não sei… só sei que não sei!
Celebramos o Dia da Terra, no dia 22 de abril. Celebramos? Tivemos a Cúpula do Clima promovida pelo governo americano. Eles querem ser protagonistas da emergência climática. Por um lado, uma boa notícia, por outro um risco de ficar no “business as usual”. E o Brasil? Quando nosso presidente (sim, nosso!) discursava seus sete minutos, ao lado de um ministro que deveria estar defendendo o meio ambiente, que – um ano antes – exatamente no dia 22 de abril declarou que deveriam aproveitar que estavam todos distraídos com a pandemia, para “passar a boiada” e… foi exatamente o que fez! Uma devastação sem precedentes, começando com a desmobilização dos órgãos de proteção. Um ano depois está pleiteando receber recursos para seu plano de defesa da Amazonia. A sociedade civil reagiu fortemente a essa tentativa de ludibriar o mundo. Veremos os resultados até junho, o mês do meio ambiente. Veremos, também, nossa posição na COP26 em Glasgow (Escócia) em novembro. Isso tudo é surreal!
Envio muitas Muguets para trazer alegria e boa sorte a todos nós!
[…] 1º de maio 2021 […]